Ritmos.
Duas palavras unem-se pela semelhança sonora. O ritmo é imã, atrai outra. Juntas constroem a imagem inóspita. Eclosão, núcleo, ponto nevrálgico do possível poema. Sempre assim, desatento, o pensamento passeando pelas margens, o periférico sendo colhido, por exemplo, a velocidade das pálpebras encobrindo e descobrindo o verniz dos olhos castanhos claros, fixos onde os meus deveriam estar, a mulher vestida com elegância, sobriamente maquiada, falando sobre as qualidades do profissional ideal. Que postura corporal, disponibilidade, capacidade de decisão, maneira de vestir-se diferencia o bom do excelente.
A plateia composta por funcionários recém contratados, todos captando cada palavra, complementada, como no teatro, pela expressão facial da palestrante.
Sentado quase ao fundo da sala, compreendendo-me mais um poeta em tempo integral que membro ou colaborador, eufemismos pronunciados para que ninguém sinta-se subalterno. Ouço o compasso hipnótico dos ventiladores de teto, busco versos para simbolizar o giro, o sopro. Percebi pelo desritmo dos olhos, revoada uníssona para a esquerda, que algo aconteceu. Acabara de transpassar a porta uma senhorinha, ombros estreitos sob o singelo casaco de lã lilás. O silêncio do público e dos que estão à frente coordenando as atividades, expressam a importância da sua presença. Avança a passos lentos olhando ao redor. Seu corpo transmite fragilidade, não condiz com as características pré-estabelecidas em nosso imaginário, de quem gere há décadas a bem sucedida empresa da qual seremos, em breve, subordinados. Sinto-me ridículo por pensar de forma tão vulgar, homogênea, seguindo a manada.
Acompanho seu percurso até a cadeira colocada impecavelmente ao centro da longa mesa, ornada com toalhas brancas e um vaso de flores em cada extremo. Com um gesto delicado a senhora recusa o convite para sentar-se, prefere permanecer em pé, falar olhando para todos. Nesse momento senti o impacto, a voz destoa da aparência débil, soa forte, acolhe os ouvidos, cativa. Percebo seu olhar demorar sobre o dos ouvintes, borboleta alternando o voo suave de corola a corola.
O som intacto com que proclama o discurso de boas vindas, só não disfarça as mãos trêmulas, sobretudo a esquerda, denunciando a doença. Entrelaça os dedos tentando contê-los, disfarçar o movimento involuntário. Gesto vão. Leio o tremor, sem a vulgar piedade. A imagino sustentando um pesado livro em horas insones. Banhando a pálida pele, o tato indagando a desarmonia entre o pensamento e o corpo.
Quero sentir a temperatura das mãos descarnadas. Pousem sobre mim o ritmo enfermo. Tenho prazer em intuir nesse desejo uma espécie de crime.
A plateia composta por funcionários recém contratados, todos captando cada palavra, complementada, como no teatro, pela expressão facial da palestrante.
Sentado quase ao fundo da sala, compreendendo-me mais um poeta em tempo integral que membro ou colaborador, eufemismos pronunciados para que ninguém sinta-se subalterno. Ouço o compasso hipnótico dos ventiladores de teto, busco versos para simbolizar o giro, o sopro. Percebi pelo desritmo dos olhos, revoada uníssona para a esquerda, que algo aconteceu. Acabara de transpassar a porta uma senhorinha, ombros estreitos sob o singelo casaco de lã lilás. O silêncio do público e dos que estão à frente coordenando as atividades, expressam a importância da sua presença. Avança a passos lentos olhando ao redor. Seu corpo transmite fragilidade, não condiz com as características pré-estabelecidas em nosso imaginário, de quem gere há décadas a bem sucedida empresa da qual seremos, em breve, subordinados. Sinto-me ridículo por pensar de forma tão vulgar, homogênea, seguindo a manada.
Acompanho seu percurso até a cadeira colocada impecavelmente ao centro da longa mesa, ornada com toalhas brancas e um vaso de flores em cada extremo. Com um gesto delicado a senhora recusa o convite para sentar-se, prefere permanecer em pé, falar olhando para todos. Nesse momento senti o impacto, a voz destoa da aparência débil, soa forte, acolhe os ouvidos, cativa. Percebo seu olhar demorar sobre o dos ouvintes, borboleta alternando o voo suave de corola a corola.
O som intacto com que proclama o discurso de boas vindas, só não disfarça as mãos trêmulas, sobretudo a esquerda, denunciando a doença. Entrelaça os dedos tentando contê-los, disfarçar o movimento involuntário. Gesto vão. Leio o tremor, sem a vulgar piedade. A imagino sustentando um pesado livro em horas insones. Banhando a pálida pele, o tato indagando a desarmonia entre o pensamento e o corpo.
Quero sentir a temperatura das mãos descarnadas. Pousem sobre mim o ritmo enfermo. Tenho prazer em intuir nesse desejo uma espécie de crime.
Nenhum comentário:
Postar um comentário