Tornar-se-á ausência
ocupando o mesmo espaço
frágil pouso dos pássaros
sensível ao mínimo movimento
retomam voo
Será o estranho astro
espectro em busca
da palavra que o traduza
Poucos porta retratos
pelo apartamento
muitos livros de poesia
E a dúvida: guardá-los para a filha?
Os parentes darão pêsames
perguntarão por indícios
Recordarás as conversas
sobre o suicídio dos poetas
Maiakovski Paul Celan
Torquato Ana Cristina César
Ouvir-te-ão perplexos
como pronunciasses algaravias
ou a surrealidade de algas marinhas
enlaçando-te pelos pulsos
convidando à dança submarina
Mas o foda mesmo,
são os melancólicos miados
do gato circulando pelos cômodos
com saudades do seu dono
ocupando o mesmo espaço
frágil pouso dos pássaros
sensível ao mínimo movimento
retomam voo
Será o estranho astro
espectro em busca
da palavra que o traduza
Poucos porta retratos
pelo apartamento
muitos livros de poesia
E a dúvida: guardá-los para a filha?
Os parentes darão pêsames
perguntarão por indícios
Recordarás as conversas
sobre o suicídio dos poetas
Maiakovski Paul Celan
Torquato Ana Cristina César
Ouvir-te-ão perplexos
como pronunciasses algaravias
ou a surrealidade de algas marinhas
enlaçando-te pelos pulsos
convidando à dança submarina
Mas o foda mesmo,
são os melancólicos miados
do gato circulando pelos cômodos
com saudades do seu dono
A embriaguez
aproxima dos deuses
os poetas que lestes
Acolhes os poemas
nunca escolhidos
para compor
antologias celestes
Eis os bem-aventurados
que na pujança
partilham o pão
e na escassez
traduzem a fome
Ora reluz a palavra
como ouro
outrora é rota
em andrajos
Os pobres de espírito
espreitam a poesia
em busca da pureza
perdida, mas no coração
do éden há uma fonte
onde anjos de pedra urinam
e trazem na fisionomia
a piedade esculpida
Os bem-aventurados
passeiam pelo jardim
de Hyeronimus Bosch
plantando flores
no ânus dos homens
A embriaguez
aproxima dos deuses
os poetas que lestes
Cão-guia
conduz
o cego
observo-os
entre transeuntes
que nunca lerão
os versos do Inferno
onde Cérbero
habita
O cio das fêmeas
sobras de fast food
não distraem
o cão adestrado
Já a destra
leva-me
por texturas
leio o cheiro
e a febre
O que não seja
desejo
faz-se
ilegível
Com maestria
a poesia
rege
rumo
ao abismo
Haikus de Leopoldo María Panero
Um lago nasceu:
em meu crânio
flutuam os peixes.
***
Fêmea que entre minhas coxas calavas
de todos os favores que pude prometer
te devo a loucura.
***
Choras entre minhas coxas, amada:
o cadáver da poesia
é a substância de meus versos.
***
Na areia
jaz um morto
é o mesmo
jazer entre palavras.
***
Estou de joelhos ante a rocha.
Quem fui, sabe a rocha.
Que não serei ninguém ao fim, a rocha diz
e o vale o ecoa.
***
Um porco
fecha a porta
uma ave
cai como saliva sobre a página.
***
De uma rocha
pendem dois homens
melhor seria
pender de uma nuvem.
***
Un lago ha nacido:
en mi cráneo
flotan los peces.
***
Hembra que entre mis muslos callabas
de todos los favores que pude prometerte
te debo la locura.
***
Lloras entre mis muslos, amada;
el cadáver de la poesía
es la sustancia de mis versos.
***
En la arena
yace un muerto
es lo mismo
yacer entre palabras.
***
Estoy de rodillas ante la roca.
Quién fui, lo sabe la roca.
Que no seré nadie al fin, la roca lo dice
y el valle difunde.
***
Un cerdo
cierra la porta
un ave
cae como saliva sobre la página.
***
De una roca
penden dos hombres
mejor sería
pender de una nube.
El último hombre, 1983.
Um lago nasceu:
em meu crânio
flutuam os peixes.
***
Fêmea que entre minhas coxas calavas
de todos os favores que pude prometer
te devo a loucura.
***
Choras entre minhas coxas, amada:
o cadáver da poesia
é a substância de meus versos.
***
Na areia
jaz um morto
é o mesmo
jazer entre palavras.
***
Estou de joelhos ante a rocha.
Quem fui, sabe a rocha.
Que não serei ninguém ao fim, a rocha diz
e o vale o ecoa.
***
Um porco
fecha a porta
uma ave
cai como saliva sobre a página.
***
De uma rocha
pendem dois homens
melhor seria
pender de uma nuvem.
***
Un lago ha nacido:
en mi cráneo
flotan los peces.
***
Hembra que entre mis muslos callabas
de todos los favores que pude prometerte
te debo la locura.
***
Lloras entre mis muslos, amada;
el cadáver de la poesía
es la sustancia de mis versos.
***
En la arena
yace un muerto
es lo mismo
yacer entre palabras.
***
Estoy de rodillas ante la roca.
Quién fui, lo sabe la roca.
Que no seré nadie al fin, la roca lo dice
y el valle difunde.
***
Un cerdo
cierra la porta
un ave
cae como saliva sobre la página.
***
De una roca
penden dos hombres
mejor sería
pender de una nube.
El último hombre, 1983.
leio levitar o olor
no mormaço da tarde
frutas equilibram-se
tênue linha entre
o palatável e o podre
sinto soar
os táteis acordes
da carne
ampla página
para os sentidos
a sinestesia silencia
as fronteiras
olhos acariciam
o silêncio da superfície
mas a pele colhe
o ritmo inscrito
acolho as Visões
não anseio lenitivos
ou signos que anestesiem
a língua lamberá
com ternura animal
a chaga ainda em chamas
colorida como fruta madura
sinto soar
os táteis acordes
da carne
no mormaço da tarde
frutas equilibram-se
tênue linha entre
o palatável e o podre
sinto soar
os táteis acordes
da carne
ampla página
para os sentidos
a sinestesia silencia
as fronteiras
olhos acariciam
o silêncio da superfície
mas a pele colhe
o ritmo inscrito
acolho as Visões
não anseio lenitivos
ou signos que anestesiem
a língua lamberá
com ternura animal
a chaga ainda em chamas
colorida como fruta madura
sinto soar
os táteis acordes
da carne
O fim de Anacreonte
Quando enfim, Álcman, amor nos declaramos
não em uma árvore quisemos gravar as núpcias
eu vestido de mulher, em teu cabelo diademas
não em uma árvore quisemos gravar aquela união
e que fora a dríade do único portento
testemunha vã e muda, pois detesto os deuses:
no meio daquele bosque encontramos um menino
em suas costas rosadas, com fogo,
lentamente escrevemos os nomes.
Cuando por fin, Alcmanes, amor nos declaramos
no en un árbol quisimos grabar el desposorio
yo de mujer vestido, tú en el pelo guirnaldas
no en un árbol quisimos grabar aquella unión
y que fuera la driada del único portento
testigo vano y mudo, pues detesto a los dioses:
en medio de aquel bosque tropezamos a un niño
y en su espalda rosada, con fuego,
lentamente escribimos los nombres.
Leopoldo María Panero. Dioscuros, 1982.
( O fim de Anacreonte é composto por cinco poemas, aqui traduzo apenas um deles)
Quando enfim, Álcman, amor nos declaramos
não em uma árvore quisemos gravar as núpcias
eu vestido de mulher, em teu cabelo diademas
não em uma árvore quisemos gravar aquela união
e que fora a dríade do único portento
testemunha vã e muda, pois detesto os deuses:
no meio daquele bosque encontramos um menino
em suas costas rosadas, com fogo,
lentamente escrevemos os nomes.
Cuando por fin, Alcmanes, amor nos declaramos
no en un árbol quisimos grabar el desposorio
yo de mujer vestido, tú en el pelo guirnaldas
no en un árbol quisimos grabar aquella unión
y que fuera la driada del único portento
testigo vano y mudo, pues detesto a los dioses:
en medio de aquel bosque tropezamos a un niño
y en su espalda rosada, con fuego,
lentamente escribimos los nombres.
Leopoldo María Panero. Dioscuros, 1982.
( O fim de Anacreonte é composto por cinco poemas, aqui traduzo apenas um deles)
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