Torpedos
não trazem pânico
à paisagem submarina

O torpor
não desritma
o espaço entorpecido

Consumas todo 
ópio que puderes

enquanto teu
primeiro amor
naufraga, 
pobre Dinamene

Consumas todo
ópio que puderes

enquanto teu
grande amor
afoga-se
como Paul Celan
e os poetas
que não suportaram

a paisagem submarina
Carrega consigo ruínas

Paisagem pós hecatombe
O tato busca 
o que resta 
intacto

Preferiria 
Os olhos âmbar do gato
As órbitas abissais de Édipo
Ao mesmo olhar de ontem

Um passo além
do ápice
dentro do fruto
inicia-se lenta
implosão

Carrega consigo ruínas

Paisagem pós hecatombe
Silêncio sujo
povoado por
alucinações auditivas
O tato busca
o que resta intacto

Investigar vestígios
não para reconstruir
antigas estruturas
mas, a partir
do ponto exato
retomar a ruptura



de outra maneira 
um objeto deixado
sobre a mesa

está imóvel
não inamovível

a poesia não guia
pelo óbvio

semelhante a imobilidade
do predador que espreita

no poema
a palavra
não é apenas
presença
Olhos irritados 
pelo rímel
belo álibi
para as lágrimas

Leio as linhas

rubras sanguíneos
filamentos
imitando o movimento
de raízes
rumo a íris

Na poesia o rumor

de cada gota
que ao fluir
desfaz-se contra
a textura
da pele
explicar para a filha:

a palavra imenso
não deveria qualificar
coisas tristes

imensurável 
o que não se medra
não há régua ou peso
que traduza a presença

Significado muito maior
que dizer: grande
ou gigante

imensidão
é lançar-se ao mar
e não ver a outra margem
imaginar um elefante
multiplicado pela população
da China

penso que a poesia
se aproxima 
de uma resposta
o mais certo
é que proponha
novas perguntas

importante ser dito:
embora imensa
dor não é eterna
menos se espera
um sol súbito
a dissipa

então consegues encará-la
como quem olha para trás
Silhueta alguma
insinua-se no horizonte
O olhar recusa
a metáfora da ave
migratória

Voo curto
rumo ao corpo
despido
da clássica
aura
de musa

A poesia
que lemos
porto inseguro
por onde circulam
barcos ébrios
marujos sem mar
prostitutas ígnea
paisagem crepuscular

almas em busca
de outras insígnias
que âncora e leme
Sinta-se
em casa
a sintaxe
dos pesadelos
segue a lógica
do poema

Ao despertar
os pés tateiam
a veracidade
do chão

A poesia
traduz 
texturas
de forma
tão crua
que desespera
os olhos




Contemplo os passos lentos de Fiódor
atormentado por dívidas de jogo
sob o braço um calhamaço de páginas

Na paisagem lunar de São Petersburgo
os transeuntes inscrevem cicatrizes
de lama na neve que encobre as ruas

Empenho minha alma. Dou-lhe a grana

Parte. Leva consigo o manuscrito,
no bolso do sobretudo o dinheiro

Contemplo os passos lentos de Fiódor
uns
nus

nos
dedos
dos
outros
ouro

ouço o 
silêncio
azul
página para
pássaros e
nuvens 
esparsas

poucos
interrogam
ao redor
olhos
cerram as
pálpebras
e rogam
alívio


suave
sobrevoa
sobre
o que
expira:
espiral 
de urubus

Baudelaire
contemplou
une charogne

fome
necrófila

na poesia
há nomes
para o
alimento
maldito
que os deuses
ruminam


Tapete de pétalas
estende-se sob o ipê.
O passante leu
o caminho do sucesso
exige passos exatos
como punhaladas.

Mas o ritmo da poesia
habita em margem oposta
à marcha dos ponteiros
sobre as horas.
A tripulação tripudia
do albatroz.
Você tropeça
nas próprias pernas.

Não há tristeza em teu silêncio,
sim a voragem de versos
construídos por poetas malditos
e letristas rock'n'roll.

Garoto incapaz
de desferir um soco
contra o espelho.
Nos escombros colhe
o assombro pelas palavras.
Por sobre o ombro
a poesia relê a vida.

É assim que gritas.
dos animais 
nomeiam-se presas
nos poetas uns
tão pontiagudos
outros amarelados
pelo fumo 
e álcool

ornam
com signo
indócil
o colo
da musa

colar:
uma coleção
de caninos
Os que se salvaram
trouxeram rebanhos
para lamber as múmias
de sal

Toda palavra
que restara
não interpela o céu
sobre as estátuas
de olhos opacos
contemplando
a paisagem derruída

De terras distantes
poetas vieram
Algo precisava ser dito

Pesadelos eram peixes
nos olhos líquidos
e indóceis
da poesia










Credo e técnica para a prosa moderna

Jack Kerouac

1. Cadernos secretos rascunhados e desenfreadas páginas datilografadas para teu próprio prazer
2. Submisso a tudo, aberto, atento
3. Nunca fique bêbado longe de casa
4. Apaixone-se pela vida
5. Algo que sentes encontrará sua própria forma
6. Seja um louco santo silencioso da mente
7. Sopra tão fundo quanto queira soprar
8. Escreva o que mínimo que sentires a partir do fundo da mente 
9. As inexprimíveis visões do indivíduo
10. Nenhum tempo para a poesia só o que exatamente é
11. Tics visionários vibrando no peito
12. Com hipnótica fixação sonhe sobre o objeto que tens diante
13. Elimine as inibições literárias, gramaticais e sintáticas
14. Como Proust seja um velho alucinado do tempo
15. Narre a verdadeira história do mundo com monólogo interior
16. O centro precioso de interesse é o olho dentro do olho
17. Escreva para você mesmo rememorando e assombrando-se
18. Trabalhe para fora, a partir do expressivo olho núcleo
19. Aceite sempre a perda
20. Acredite no santo contorno da vida
21. Lute para esboçar a torrente que já existe intacta na mente
22. Quando te deteres não pense nas palavras senão para ver melhor o todo
23. Preserve o vestígio de cada dia na duração que coroa tuas manhãs
24. Nada de medo ou vergonha na dignidade da tua experiência, linguagem e crescimento
25. Escreva para que o mundo leia e veja tuas exatas pinturas dele
26. Um roteiro é o filme em palavras, a forma visual americana
27. Elogio do Caráter na Gelada inumana Solidão
28. Composições selvagens, indisciplinadas, puras, brotando do centro, quanto mais louco melhor
29. És um Gênio o tempo todo
30. Escritor-diretor de filmes Terrestres Patrocinados e Santificados no Céu


BELIEF & TECHNIQUE FOR MODERN PROSE

Jack Kerouac

 1. Scribbled secret notebooks, and wild typewritten pages, for yr own joy
2. Submissive to everything, open, listening
3. Try never get drunk outside yr own house
4. Be in love with yr life
5. Something that you feel will find its own form
6. Be crazy dumbsaint of the mind
7. Blow as deep as you want to blow
8. Write what you want bottomless from bottom of the mind
9. The unspeakable visions of the individual
10. No time for poetry but exactly what is
11. Visionary tics shivering in the chest
12. In tranced fixation dreaming upon object before you
13. Remove literary, grammatical and syntactical inhibition
14. Like Proust be an old teahead of time
15. Telling the true story of the world in interior monolog
16. The jewel center of interest is the eye within the eye
17. Write in recollection and amazement for yourself
18. Work from pithy middle eye out, swimming in language sea
19. Accept loss forever
20. Believe in the holy contour of life
21. Struggle to sketch the flow that already exists intact in mind
22. Dont think of words when you stop but to see picture better
23. Keep track of every day the date emblazoned in yr morning
24. No fear or shame in the dignity of yr experience, language & knowledge
25. Write for the world to read and see yr exact pictures of it
26. Bookmovie is the movie in words, the visual American form
27. In praise of Character in the Bleak inhuman Loneliness
28. Composing wild, undisciplined, pure, coming in from under, crazier the better
29. You're a Genius all the time
30. Writer-Director of Earthly movies Sponsored & Angeled in Heaven

OBS: Traduzido de maneira despretensiosa, com o apoio do original em inglês e da tradução em espanhol integrante da obra Días Beat do argentino Miguel Grinberg.
garra
fa de
sakê
que
brada

dentro de si não há silêncio
há a violência de um verso 
compreendido com o espírito

O michê  esfaqueia o
homem vestido de gueixa
pensa em Pasolini
investiga: o assassino vê 
no sangue pétalas liquefeitas?

Máscara mortuária
com maquiagem kabuki
em testamento deixa
olhos fixos no infinito


Cacos de vidro
prismam a luz

Raios coloridos
um sol lisérgico

vogais de Rimbaud

A musa apaga 
o cigarro
na pele 
do poeta.
Desafia: verse 
agora

Na superfície do braço
estingue-se a brasa
Teus lábios não sussurram
esperanças de cura

O alívio
possível
é a poesia.


Anciãos aguardam na ante-sala
Desencontro de olhares em torno
da mesa de centro onde repousam
revistas e jornais. O jardim
de inverno reinventa a luz.
A arte decorativa não arde
na alma. Linhas sóbrias
não oferecem mistério,
os vasos alinham-se, plantas
não extravasam as margens.

Desritmar a natureza morta
do consultório médico
Seria a senhorinha
oferecer-me balas de alcaçuz
Assim inicia e conduz o diálogo:
Mas deus é sobretudo linguagem
penso a morte a partir dos poemas
segredo meu para destemê-la
A vida inicia com o leite materno
após breve interregno
bebemos a água turva do letes.



I
maços de cigarro
advertem para os próprios
males

os meus traduzo-os
em poemas

amas um homem
que transita
entre céu e inferno
como se fosse à esquina
comprar pão

II

afasta-se do tumulto
para acender um cigarro

eu não fumo
tampouco pertenço
ao grupo

continuo à deriva
Li o conflito 
espiritual dos poetas
consigo e com o verbo
poético.

Já tarde pedes
a deus que eu
não arda nas palavras
de Une saison en enfer
ou Les litanies de Satan.

Descosi cicatrizes.
Sustentei o olhar nos matizes
que partem de um rubro
aceso ao absurdo
estômago do poema.

Não diga que há
palavra indigesta.
Pouse o ouvido
na pele da poesia.
Colha o pulso
das palavras amalgamadas.
Se o ritmo
soar-lhe labiríntico,

dance.
de gota
em gota
esgota-se
o analgésico

sobre a dor
leia-se:
lancinante

o agora
torna-se 
ontem

de gota
em gota
embora nos pareça
à queima roupa