fora
da metá
fora
não há
multiplicação.

pombos
creem
em meu
milagre:
pão
ex
pan
di em
 migalhas.

a garrafa vazia
lanço 
ao mar
com a mensagem:
do vinho
fiz
urina.
Jornal Folha da Região de Araçatuba/SP, dia 27/11/2013. O poema é "Os olhos de outra/ não capitu...".


Poemas meus publicados na Mallarmargens. Muito bem ilustrados pela imagem de Jeremy Geddes.

http://www.mallarmargens.com/2013/11/na-orbita-de-veludo-naufragam.html

Poemas meus publicados na revista Diversos Afins. Impecavelmente ilustrados pela obra de Julia Debasse.

http://diversosafins.com.br/?p=6105
maçãs e serpentes
abdicam aos signos bíblicos

corolas recendem
cores quentes

nos bancos da praça
mendigos enxadristas

crianças recriam olhos
nos esqueletos de lorca:
são rosas acesas
cavalos marinhos
no sorriso sem lábios

na profecia
o cão e a louca mansa
uivarão para a lua
de louça

a mulher com nome de santa
revela o sonho:
insetos emergem da sopa
escandalizando a ceia;
o filho lê rimbaud
em ritmo mântrico;
a filha martiriza
os mamilos rosa-chá
encenando sade;

no cio das imagens
o crânio arde
carrego-o em chamas
pelo verde jardim

a praça projeta sobre nós:
pombos brancos
crianças coloridas
arabescos: esqueletos 
das árvores contra
o céu aceso.

os caninos da Beleza
carregam meu crânio,
piedosa loba de Roma.
placas oxidadas informam
o nome latino das plantas.
meu nome de batismo
dilui-se em outros:
sal paradise, gregor samsa,
maldoror, macunaíma,
diadorim.

a praça nada sabe de mim
que passeio no parque
com minha filha

a praça nada sabe de mim
que ouço
outro ritmo
sob seus ossos.
Lâminas de João Cabral
brancas claras ofuscantes
página pura ao sol.

A palavra lâmina
dita ou escrita
fronteira semântica
corpo luminoso
na língua de carne.

O objeto lâmina
fálica e tátil
forma mineral.

Lâminas de João Cabral
semeei-as sob a língua
metástase de raízes
a tessitura oculta
trama-se ao esqueleto.

Ouço falo sinto penso:
sou vosso idioma lâmina.


imagens excitantes
em preto e branco
de boxeadores

beijar a lona
bela metáfora
para a queda

bolsa de gelo
é signo menos ingênuo
que floco de neve

com doces dedos
suturas meu supercílio
e conto sobre a cura
distante

com golpes ininterruptos
como manter a alma
intacta?
não há espaço
para sermos pássaro
na palavra
céu

nossas asas

não couberam
no verbo

tem suingue 
a linguagem
cria a poesia: 
lâmina ritual
e navalha na liga

toda teologia

agoniza
ao escrevermos
nos ladrilhos 
do apartamento:
paraíso

anjos atordoam-se
a beatitude
coube
num corpo
ao mesmo tempo
louco católico budista
e sal paradise

anjos

lançam-se 
rumo à luz táctil
das lâmpadas



Olhos 
encenam obediência.
Sofrem os ossos
a compreensão da palavra:
expatriado.

Receou que anjos
lessem em seu crânio
palavras não lapidadas:
dos que partem
nuca e ânus
olham para trás.

Mas o paraíso
todo ocupado
em ruir sodoma.

Na manhã seguinte
retornou ao caos
em busca
da pedra ideal
onde esculpir
um belo
efebo.
FODA-SE
ESTAR
DO LADO DE LÁ 
OU DE CÁ.
ALICE
TANTO FAZ.
ME SEI
ESTRANGEIRO
DENTRO
E
FORA
DA PALAVRA
ESPELHO.
Brincando de traduzir III: Leopoldo María Panero, da obra Poemas del Manicomio de Mondragón, 1987.

Hino a Satã.

Tu que és tão somente

uma ferida na parede
uma marca na testa
que induz suavemente
à morte.
Tu ampara aos fracos
melhor que os cristãos
tu provém dos astros
odeias esta terra
onde miseráveis descalços
dão as mãos dia após dia
buscando entre a merda
a razão da vida;
Já que nasci do excremento
te amo
amo pousar sobre tuas 
mãos delicadas minhas fezes
Teu símbolo era o cervo
o meu a lua
que a chuva desabe sobre
nossas faces
nos unindo num abraço
silencioso e cruel em que
como o suicídio, sonho
sem anjos nem mulheres
nu de tudo
menos do teu nome
teus beijos em meu ânus
e tuas carícias em minha cabeça calva
jorraremos vinho, urina
e sangue nas igrejas
presente dos bruxos
e debaixo dos crucifixos
uivaremos.

HIMNO A SATÁN

Tú que eres tan sólo
una herida en la pared
y un rasguño en la frente
que induce suavemente
a la muerte.
Tú ayudas a los débiles
mejor que los cristianos
tú vienes de las estrellas
y odias esta tierra
donde moribundos descalzos
se dan la mano día tras día
buscando entre la mierda
la razón de su vida;
ya que nací del excremento
te amo
y amo posar sobre tus
manos delicadas mis heces.
Tu símbolo era el ciervo
y el mío la luna
que la lluvia caiga sobre
nuestras faces
uniéndonos en un abrazo
silencioso y cruel en que
como el suicídio, sueño
sin ángeles ni mujeres
desnudo de todo
salvo de tu nombre
de tus besos em mi ano
y tus caricias en mi cabeza calva
rociaremos con vino, orina y
sangre las iglesias
regalo de los magos
y debajo del crucifijo
aullaremos.


Brincando de traduzir II: Alejandra Pizarnik.

Lanterna surda.

Os ausentes sopram e a noite é densa. A noite
tem a cor das pálpebras do morto. Toda
noite crio a noite. Toda noite escrevo.
Palavra por palavra eu escrevo a noite.
Brincando de traduzir: Alejandra Pizarnik.

A de olhos abertos

A vida brinca na praça
com o ser que nunca fui
e aqui estou
dança pensamento
na linha do meu sorriso
e todos dizem já passou
e vai passando
passando
meu coração
abre a janela
vida
aqui estou
minha vida
meu solitário e gélido sangue
soa no mundo.
mas quero me sentir viva
mas não quero falar
da morte
nem de suas estranhas mãos.
Disse lâmina,
mas querias
ouvir morfina.

Não lhe dei esperanças:
provavelmente vais morrer
e não sei o que há além.
A ideia de paraíso muda
de cultura para cultura.

O que esboçou-me alguma fé
foi ler Dostoiévski:
Se Deus não existe tudo é permitido.

Mostrei-lhe as unhas
roídas até a carne.
Ardem.
Impedem-me penetrar o ânus azul
do futuro.

Acaso sobrevivamos
prometo
acariciar teus cabelos
com dedos
e alma
intactos.

biografia autorizada de um bom garoto:

não fora menino monossilábico
não guardava cigarros no quarto
não fora à feira do livro
de porto alegre com dez
reais mais grana do metrô
e comprou henry miller
castañeda kafka
marquês de sade

não bebeu as lágrimas
da garota  de jeans
& camiseta dos ramones
não permanecia no vagão
para ouvir jazz
e o ritmo dos trilhos
não encenava suicídios
fora o melhor atleta da turma
não contemplava tempestades

imagens como: naufrágio aceso
rumor dos ossos, vestir
as vísceras do primeiro amor
não o excitavam

de fato
o olhar é doce
e estrangeiro nos retratos.


ver o cadáver
emoldurado por corolas.

o cão enterra os ossos
para roê-los outrora.

quereria em chamas
às margens do ganges
ou mumificado sob a neve,
a caminho,
cume 
no ar rarefeito.

o cão desenterra os ossos
o homem relembra
na solitude
olhos fixos num lume:
navio
astro
ou
ponta de cigarro.
Em silêncio
consome-se
o incenso.

Dança
em torno
ao buda
de louça
 olor:

bruma.
O
chamo
odor
cheiro.
Nomeá-lo
perfume,
aroma,
não nos traduz.

Espiral de urubus
sobre o pútrido.
Une charogne de Baudelaire,
indóceis como tu.

Embora escreva: olor,
a linguagem não medra
a febre da Língua,
o que há de fêmea
floresta
terra: 
chão encharcado.

Não gritas 
como fruta cítrica, 
sabes ciciar 
nosso cio.

Sozinho:
palavras
e taça 
de vinho,
o signo:
ir além
do anêmico
nome
sem 
poesia.
Na órbita de veludo
naufragam
locomotivas insones.

Em voz noturna
sussurra-se o nome:
cu
astro obscuro.

Leito desfeito,
rascunhos,
livros e copo vazio
no criado mudo.

Sanatório dos arcanjos,
café da manhã até as nove,
após as onze
cobra-se outra diária.

Quem decretará imóvel
o poema?
Gema lapidada?

Não há término:
ininterrupta 
temporada no inferno.