cerâmica branca
interrogo teu discurso
de assepsia

possibilidades: ler-te
ossos limpos de lembranças
página à espera das palavras
silenciosa face das nuvens

desritmo lançado
contra tua quietude
queda o esperma

fosse sangue
fosse merda
soariam
outras vozes

apazigua pousar a pele
sobre a superfície reptícia
amaina a temperatura
arrefece a febre

cerâmica branca
quase esqueço
que feres meu olhos
ao refletires o sol
somando-o aos conselhos
da busca por iluminação
pureza absoluta
ascese e outras
analogias que
sugeres 
todas as manhãs



Branca silhueta delicadamente desenhada sobre o azul celeste. Acesa além do nascente a forma não fere a manhã. Reescreve limites. Avançam memórias noturnas contra a luz. Suaves traços escrevem a lua na superfície dos olhos.
insone o nome
não sonâmbulo
sim animal 
notívago

faro, fome
cio acesos

pulsa a palavra
pouco o pouso
possível sobre
a página

pulsa a palavra
movimento puro



Ouço o aço 
das palavras 
ainda silenciosas. 
Impeço-as de soar 
ensurdecedoras 
como lâminas ao sol.

Sombras suavizam 

sua afilada fome. 

O faquir domina a arte 

de não ferir-se 
ao estender o corpo 
sobre a indocilidade.

A faca sendo 

instrumento cotidiano
faz-se extensão do homem.
Divide com fidelidade
o pão, a laranja.

Permanecem intactos

os pulsos daquele
que a empunha surdo
ao aço das palavras. 


 Árvores estendem sombras sobre o percurso. Os pés leem a superfície imperfeita. Caminhamos sem pressa. Não medras a impiedosa beleza das palavras ao dizeres inocente que gosta do barulho dos passos esmagando as folhas secas. 
 Tons do ocaso cobrem o chão. Adormece o vermelho nas folhas caídas. Amarelo, alaranjado rajam o verde. Pequenas chagas. 
 Passos. Agora é impossível compreendê-los estilhaçando o silêncio, ferindo-o fatalmente. Inventam uma voz para o silêncio. Alçamos o ruído à sonora existência dos pássaros.

   Dia 06 de novembro na biblioteca pública Rubens do Amaral em Araçatuba/SP recebi a premiação pelo primeiro lugar no 23° Concurso de Poesia Osmair Zanardi, promovido pela Academia Araçatubense de Letras. Compartilho aqui imagens da premiação onde estou junto com minha filha Letícia e o poema contemplado:


 sabe dos que se salvaram:
permaneceram na superfície

do avesso sabe o balé das algas
os peixes de olhos sempre acesos
movendo-se sem ferir o silêncio

resta na pele que emerge
sal e cheiro de mar

inscrito no homem
o pugilismo das marés

crianças desenham crânios
sobre ossos cruzados

porque a palavra
permanece indócil
a escrita parece à deriva
não ao acaso o fluxo
conduz por signos marinhos

o poema impele: submergir
sem escafandro
confiar no
próprio fôlego

ensina o extremo: transformar
mergulho em naufrágio





   Dia 16 de novembro à noite faleceu meu avô Ervim André Kulczynski. Compartilho aqui pois um dos meus poemas mais conhecidos, que também foi escolhido para participar da exposição Poesia Agora organizada no Museu da Língua Portuguesa em São Paulo teve-o como motivação, escrito a partir das palavras que pronunciou para expressar sua cegueira: "estou na penumbra". Publico também uma belíssima imagem que revela características marcantes em minha memória: o uso da boina, o modo elegante de vestir-se. Divido aqui esta mínima homenagem.






súbito é desferido
o soco indefensável
enquanto me movo
pelo percurso do
significado novo

compreender na carne a lição
cada palavra no poema
existe tensa, indócil
não dá-se à língua
antes confronta, desafia

como se beijasse
com violência



fosse carícia
percorreria
suave a superfície
mesmo movida
por lascívia
não permitiria
ler em
vermelho
o rastro
solo revolvido
pelo arado
onde plantar
a alma
ainda impregnada
pelos ossos