não tão
coeso quanto
uma gota
de sangue

desfaz-se em 
estilhaços

o ponto

menos denso
que a negra
pupila sob
vidraça de 
lágrimas

podes des-
construí-lo

o ponto

cotidiano como
o bando de pombos
em torno do pão

rumor de passos
atravessando o corpo
da praça dissipa

o ponto

um 
outro
ponto:

imagem
agregando
palavras

a analogia
da colmeia
não traduz
a mistura
de crime
e luz

o ponto: o 
escreva
espécie 
de porto


sem receio
em torno
ao pássaro
morto
outros
colhem
migalhas

vês fixos olhos
impecavelmente
redondos imóveis
entre plumas 
brancas e cinzas

contemple a morte
como silêncio irreversível

disse Maldoror
enquanto esfarelava
outro pão
transpassar
a superfície

não seja breve
eclipse

quis
quer

palavra mais
profunda que
mergulho

o perfume
das musas
não inspira
os pulmões

repete como mantra
a palavra naufrágio





  Compartilho a satisfação de fazer parte da mais recente publicação da Germina, ano X, edição 39. 

  Agradeço a poeta Priscila Merizzio, as editoras Mariza Lourenço e Silvana Guimarães por terem acolhido meus poemas. 

  Eis o link para meus escritos:


http://www.germinaliteratura.com.br/2015/gustavo_petter.htm


  E o link para a edição completa:

http://www.germinaliteratura.com.br/index1.htm
a concha
das mãos
acolhe
o filhote
de pássaro

ampara
a lâmpada
inútil para
expandir luz

ninho de delírios
sabe o sexo
morno
úmido
pronto

por roubo
não as
deceparam

as mãos
em concha

sempre há
uma mínima
fissura
o líquido
escoa 
em gotas

queda 
livre
silente
estilhaçar-se
resumo: essa fé
ressuma a medo

o cheiro despertaria
o predador mais distante

implorar
       orar
          ar
indolor
ao pulmões

a alma
continua
visão turva
detrás de
vidraças
sujas 
baças

o pó compõe
o interior
penumbra

reescreve o sol
luz amena
aurora
sob
nuvens

cores sóbrias
não convocam

mudas

céu sólido

olhos incrustados
no crânio: incrédulos

pesadelos 
ainda pesam
nas pálpebras

pele
opaca
da manhã

dentro 
grita
lâmpada
elétrica

o corpo decifra
as gotas de
sangue
espécie 
de voz
acesa na
superfície




Insetos
incandescentes
ao cruzar 
sob o fluxo
aceso que
mana das 
lâmpadas
de mercúrio

A luz pousa
silenciosa

Único
rumor:
o ritmo
de passos
esmagando
mínimos
besouros

Pássaros 
noturnos
os olhos
silenciosos
no parapeito
do quarto 
andar sem
cogitar o salto

apenas 
relembram
atônitos 
a cruel beleza
do poema sobre
a moça suicida
em Greenwich Village
de Gregory Corso

Resta a espera

embora 
incerta
a hora

parece iminente
o momento de
soarem os sinais
da chegada

prenúncio de chuva
lido no vento

Estar à espera:
sentir na pele
o tempo mover-se
incompleto, sem
a presença

Pousa na memória
a promessa do regresso
acesa como ferida recente

Os olhos colhem
corola por corola
do jardim indócil
para despetalá-las

Os olhos desconstroem
a paisagem ao redor

fora, além: tudo
esvai-se de sentido

Olhos submersos
leem as anotações
escritas pelo náufrago 
sobre a espera





porque
o tato talvez
não traduza
a inquietude 
oculta pelo
silêncio

cala
o mínimo 
movimento

Kafka
teu artista
da fome
almeja
outro limite

nem toda
imobilidade
busca
a iluminação
búdica

quer
encenar
o signo
pedra 
ou
ouvir
o ritmo:
sangue
e visões

alguém o
compreenderá
superfície lisa
lago sem
a carícia
da mais 
suave brisa?

não haverá resposta
sem percorrer o percurso
submerso em si

exilar-se no deserto
onde memórias uivam

os pés peregrinos
fedem e estão feridos

sabes sob
qualquer
teto não
estás
a salvo

palavras
se movem

tateia
o próprio
corpo


a consistência
da carne

o tato
testa
o que
resta
intacto



Antes do amanhã
há o amanhecer

As manhãs interpondo-se
entre corpo e sonho

A metáfora dos degraus
organizados como vértebras
narrada pelo mestre
que sobe de elevador
sem dar bom dia 
ao ascensorista

Opto pela penumbra
de escadarias mal iluminadas
em pensões Dostoievskianas,
por apartamentos 
sem aquecimento
onde poetas Beats
alçam à sabedoria

Pensando o porvir
olhos automáticos
miram a aurora
sem exclamar:
horizonte aceso!

O importante: amanhã
haverá outra manhã
Aos que buscam 
alguma permanência

a primeira palavra
na qual penso é

cicatriz

Imensas estruturas
verticais erigidas
ao redor da praça

Apenas uma
janela acesa

Solitário 
ciclope
vigia 
a trinta
metros 
de altura

amplas paisagens
que meus olhos
imploram para
percorrer 


penso o epicentro
rumor líquido
mergulho que deflagra
sobre a superfície
sequência de círculos

localiza-se o epicentro
do tremor a quilômetros
da cidade feita escombros

o epicentro: núcleo,
origem, ponto de partida

talvez o epicentro
seja quase sempre
um coração partido