Não segura pela asa. Quatro longos dedos, na infância a mãe dissera serem de pianista, transpassados pelo branco arco e o polegar isolado no outro extremo enlaçam a xícara de café com leite. Assim a palma lê o calor da superfície. Quente a cerâmica, mas não o suficiente para desenlaçar o toque. Durante o último gole percebe o montinho de açúcar acumulado no fundo. Formigas assomarão em breve. Ainda assim, pousa a xícara no chão. Palavras inquietas dentro de si: insubordinado sob o peso da túnica o pau duro reage às imagens noturnas que relembram a santo Agostinho a antiga libertinagem.
Cerveja preta, três vasos de violeta e um kalanchoe alaranjado no carrinho de compras da velhinha a minha frente na fila do supermercado. A espera poderia nos conduzir a conversar. Possibilidades diversas a deriva. Como para mim tudo é literatura, perguntaria se na pouca quietude que o dia nos reserva, convivera com Emma Bovary, Capitu ou Diadorim. Palavras podem nos oferecer a intimidade romanceada dos diários e autobiografias: percebi com melancolia o fluir do tempo quando a melanina dos pentelhos começou a se esvair. Eu lembraria do sopro impuro que ergueu por um átimo a saia da avó, revelando a resistente nódoa negra do sexo. Limitei-me a respeitar o ritmo da fila, calcular mentalmente o valor da compra, demorando o olhar sobre seus olhos que as pálpebras modelavam num triângulo retângulo. Luminosidade intacta sob delicados óculos. A sabedoria dança ao redor como tentáculos ou os braços de shiva. Apêndices agregados ao corpo: saber que a presa é também predadora de alguma outra espécie e nem por isso trazem pânico ao passear livre pelas cidades ou deixam de excitar as crianças.
no
fundo do quintal
o
cacto se reescreve
em
árvore de tão alto
ventos
e temporais
sopraram
fortes
o
corpo cacto
jamais
caíra
não
por isso
menos
indócil
nesse
meu
poema
menor
vizinha
ao cacto
a
lavoura do avô
Ervim
que nunca
lera
Manuel Bandeira
e
cultivava aipim
e
batata doce
raízes
comestíveis
como
a memória
que
deve ser
triturada
pelos dentes
reescrita
na língua
o
poema-diálogo
o
poema-homenagem
o
poema-poema
tateia
sem medo
a
imagem intratável
destemor
semelhante
ao
do bambuzal
assoviado
dia e noite
sobre
a afilada
quietude
do cacto
Assinar:
Postagens (Atom)