O homem estranho
acolheu a dúvida
porquê abrigar-se
da chuva?
No meio da rua
o homem estranho
contempla as nuvens
como se fossem a nave
de inatingível catedral
Ratos em pânico
desviam do estranho
homem em busca
de marquises ou
o interior de cafeterias
onde manterem-se secos
Os mendigos encontram abrigo
acendem cigarros amassados
Os cristãos encontram abrigo
e dão graças a deus por isso
- É bom a chuva lavar as ruas!
Boceja a boca vazia de beijos
- A previsão do tempo acertou!
Respondem lábios onde o sumo
do sexo resume-se à memória
Ninguém está a salvo
A chuva do fim de tarde
contra a vidraça dos olhos
Ouvem o rumor torrencial
língua lasciva no ouvido
lambendo o lóbulo
Ninguém está a salvo
O homem estranho
veste o líquido manto
Profere palavras
incomunicáveis ao lume
débil dos homens:
- Você ainda quer mudar o mundo?
- Você julga ridícula a poesia?
- Você sonha uma foda rápida no mictório?
- Todos vocês conhecem a expressão "cape diem",
mas já leram Horácio?
Ninguém está a salvo
Vislumbremos a verdade
entre nossos ossos
Reconheçamos nossa miséria
Sem máscaras seremos
verdadeiros amigos
Imagens metáforas
a carne das palavras
elevam a inconsolável
lucidez ao ápice
da linguagem
A música soa suave
ao acariciar a superfície
mas permita à poesia
anunciar o ritmo subterrâneo
Whitman ofereceu a mão
Lorca aceitou o convite
se amaram
sem medo
sobre o leito
de folhas
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