I

Paul Celan 
encena-se
punhal
corpo lâmina
na carne
do Sena.

Cena: 
luzes de Paris
flutuam na superfície,
o poeta
submerso.

II

Alheio ao fluxo
olhar fixo
em outra margem
submerge
no ritmo
da imagem:
o sangue estanque
tinge o lábio
de azul claro.

Intervalos
regulares de silêncio
e ruído, o rio
soa nos ouvidos
do poeta:
corpo sonoro
palavra
no crânio
que naufraga.

III

Pão lançado aos peixes,
dissolve-se nas águas.

Fragmentos de uma cidade:

disse-me o professor de artes,
havia apenas um piano de cauda
em toda a região;

camponeses de ascendência alemã
cultivavam erva mate e tabaco,
a exposição aos agrotóxicos
os induzia à uma tristeza abissal
e consequente suicídio;

protegíamos o pomar das geadas,
os velhos liam no frio
de um crepúsculo sem nuvens
o prenúncio;

num retângulo do quintal
a vizinha prepara a terra
para uma horta, sob
os casacos de lã eu soube
ela não tinha um seio;

manhãs de sol morno;

no quarto livros nunca lidos,
contemplava-os ali totens eretos
plenos de sangue sêmen febre
pau duro pulsando signos.
linha e agulha
não suturam
a fissura
que fiz

técnica cirúrgica
alguma estanca
o fluxo
até que 
o estômago
hematófago
esteja
saturado
Branco rosa lilás
Antes de calçar
Laetitia observa
- Não é fabricado na China.

Made in Vietnam
Fabrique au Vietnam

A mão de obra é baratíssima
Importação de matéria prima
Exportação do produto pronto
Tudo multiplica o lucro
da multinacional americana

E onde está a Poesia?

Na face no avesso
em toda superfície
da caixa, quero impresso
o poema Wietnam
de Szymborska

No corpo do tênis
com técnica stencil
a garotinha que
corre
nua
coberta de napalm



Chamamo-nos pelos pseudônimos
chaga nada sacra & jardim em chamas

Sentou-se aos pés da cama:

un ángel con hocico de caballo
y huesito traspasado en el lábio
lee el livro de Lorca
un poeta en nueva york 
a una calavera verde

Passado o transe, pergunta pelo banheiro
A calcinha trama-se aos tornozelos
Ouço o jorro de urina
Os dedos carregados de zelo
retiram o floco de papel higiênico
grudado no clitóris

Doloroso ter a consciência de que se ama

Sento-me aos pés da cama
Desconstruo em gomos uma tangerina
A observo folhear o heterônimo que tange
rebanhos, embora ambos preferimos Álvaro
de Campos

Doloroso ter a consciência de que se ama

Carregando migalhas de biscoito recheado 
uma fila indiana de formigas vem outra vai.

Em meu curriculum vitae
escrevi nas características pessoais:
bom relacionamento interpessoal
e trabalho em grupo.

(queria escrever após um asterisco:
leio muitos livros, me traduzo 
pela personagem gregor samsa)

Dezenas de formigas se acumulam
no copo vazio de coca,
mas levam o açúcar de forma ordenada
para sua toca.

Acrescento ao meu currículo
importante característica:
a palavra comunicativo.

(queria escrever após um asterisco:
leitor dos poetas-monges-eremitas
chineses da dinastia tang)


Uma metáfora para a morte:
em trinta de maio o sangue estanque.
Eu nascituro em primeiro de junho,
ou seja, não coabitamos o mundo.

Ouvi o nome Smetak 
numa canção do Caetano.
Li o nome Smetak
estudando a tropicália.
Habitei a Bahia: o mar quebra,
o mar é ritmo, o mar é carne
líquida.

O nascimento é sonoro.
Crianças são sonoras.
O sexo é sonoro.
Em tudo o som bruto.

Corolas soam seus acordes
em agudos Van Gogh,
Iberê em graves.

O silêncio é tátil nas partituras.
Eu menino monossilábico,
no cérebro a sintaxe é célere, 
como tivesse três cabeças 
feito Cérbero. 

Smetak sabes o mistério da música
atabaques invocam divindades,
o ritmo tange o êxtase.
Smetak não tenho talento
para instrumento algum
a sonoridade que me cabe
são as palavras.