Todas as amigas
haviam ao menos
operado as amígdalas.
A musa nada,
carne intacta.

Idealiza que a poesia
deslocará da função cotidiana
a palavra lâmina.

Mas o poeta
faz do sangue
pétalas líquidas.
Não decapita 
a musa
completando o ciclo.
Só contempla 
o seppuku.

Versa que o amor
a  cure.
Não celebra o ritual
com belo e cruel
haiku.

Musa
realize-se:
sobre a pele
cicatrizes
cruzem-se
feito ideograma.
nas aulas de literatura
falar menos 
em estrutura
e mais:

o belo
é que riobaldo
amou
diadorim
antes.
da varanda
a criança cospe
observa a queda
livre da saliva

atração do abismo
pra mim é o ritmo
da palavra:
abissal.
Em Calcutá
na solidão do catre
desejou a madre
mãos hábeis
para tocá-la,
sem compaixão
ou piedade.

Cio indócil.


A alma clama

que esculpa-se
na pedra bruta
da carne
uma pietà.

Cio indócil.



A consciência sussurra
que o poema dilua-se
no silêncio,
mas
não há
psiu
só 
o verbo
no cio.

Torniquete 

no crânio
é saber-se
tátil:

maçã

osso
lápis
O casulo
é a vida após
da lagarta

Casulo 
é sobretudo 
palavra

No poema
rompe com o rebanho:

irmana-se, por exemplo
da palavra
útero

Espécie de casulo
a cápsula
cheia de pólvora e chumbo
gesta o disparo.

Eclodirá
mais abrupta
que a corola,
de ambas
a obra
final
é rubra.

Espécie de casulo
da cura
a cápsula
com miligramas
comprimidas
em mínimo
espaço.

Ingeridas em excesso
- li em algum lugar -
típico suicídio feminino
(pelo qual eu optaria)

Cápsula
é também palavra
da mesma lavra
sonora
de réptil
& ritmo.


o branco sujo
dos ossos:

cerâmica do

banheiro público.

o branco sujo

dos ossos:

sorriso da musa
incensado
por maços
de cigarro
e álcool.

o branco sujo 

dos ossos:

páginas do livro,

letras negras
entre nódoas
e mofo.

o branco sujo:


meus ossos

sepultos,
lapidados
de toda carne
mas, encardidos
de barro.
Vê o
vermelho
tão
aceso.
Intui
o doce.

O fruto
surpreende:
véu
sobre
o podre.

Na sede
do sabor
indócil
insetos
sugam
o sumo.

Não há
palavra
impalatável
para
o poema.

na palavra 
abandono:

as que arrefeceram 
o cio,
deixo também
as vazias 
dos meus signos
e outras que não mais
me traduzem:
são verbetes
de um dicionário 
de bolso,
sem imagens
que transgridam
as margens,
devolvam
a natureza 
primeva.

na palavra 
abandono:

vejo um terreno baldio
onde móveis
e animais mortos
se decompõem
&
compõem
organismo
indócil
mais que o jardim
e menos que a selva.

não abandono
a palavra
em canto
algum.
Trabalhos do poeta (fragmento)

Uma linguagem que corte o fôlego. Rascante, abrupta, cortante. Um exército de sabres. Uma linguagem de aços exatos, de relâmpagos afilados, de esdrúxulas e agudas, incansáveis, reluzentes, metálicas navalhas. Uma linguagem guilhotina. Dentes trituradores, que façam uma massa do eutuelenósvóseles. Um vento de facas que dilacere e desarraigue e esquarteje e desonre as famílias, os templos, as bibliotecas, os cárceres, os bordéis, os colégios, os manicômios, as fábricas, os acadêmicos, os tribunais, os bancos, as amizades, as tabernas, a esperança, a revolução, a caridade, a justiça, as crenças, os erros, as verdades, a verdade. 

Octavio Paz, em Águia ou sol?