Poemas colagem




















as palmeiras de gonçalves
os palmares de oswald
discursam diferente
em cada poema
porque o poeta sabe
que os versos podem
contemplar ou convocar
gregório já sabia antes
mesmo de se aproximar
da costa angolana
que os sonetos
resultariam em degredo
mas por que recusar
ao poema o poder
de ser fora da lei?
manteve aceso
o inferno na língua




   Poema meu que tive a satisfação de ter selecionado para compor a edição temática Degredo, editada pela revista Gueto.



o mundo continua caduco
animal que tenta
se orientar pela audição
paro e o escuto

busco a palavra que
esculpa a dúvida
e me humanize
mesmo imerso
nesse hoje caduco:
por que muitos
se comprazem em ser
eunucos de um líder
com ideais fascistas?
Ideias não adormecidas
neles que agora se
reúnem em matilha
e livres uivam
pelas ruas
à luz do dia

no mundo caduco
não é absurdo
o que antes agredia 
a consciência
olhos passar ao lado
e já não ardem indignados

trazer aos versos
o hoje caduco
não é cantar
sim atear palavras
que o recusem
indaguem e
traduzam a
anormalidade

poemas que o tempo
não desgastou são
relidos como antídoto
porque o mundo
continua caduco




                             à Viviana

o amor aceso dentro
como a desesperada
esperança em um deus
não a lâmpada acesa
que expande luz pela sala
e pousa sobre a página
o amor aceso dentro
palavra incandescente
rediz os dias com a
voz indócil dos poemas
lidos e relidos sempre
com renovado tesão
reescrita ateada
contra ossos, asas, língua
o amor aceso dentro
e olhos menos noturnos
tornam a vida legível

soando sob
cada passo
folhas secas
fazem pisar
com delicadeza
ao poema importa
como os outros
animais veem
o mesmo poente
que vejo agora
e sinto lírico
declínio
não se
dilui
no azul:
insular
acolhe
olhos
à deriva

escre
vê-la
nuvem
não demove
a dúvida

nem sempre
há tempo
pra ler
o lento
percurso
ao vento

o poema
nos liberta
desse cálculo
   A melhor forma de homenagear o grande poeta Nicanor Parra, falecido hoje aos 103 anos, é republicar os poemas Autorretrato e A Víbora que traduzi e postei aqui no blog e um que escrevi em sua homenagem. A poesia permanece, grande Nicanor!

Autorretrato

Considerem rapazes 
Este sobretudo de frade mendicante:
Sou professor em uma escola obscura,
Perdi a voz ministrando aulas.
(Depois de tudo ou nada
Faço quarenta horas semanais).
O que diz a vocês minha cara esbofeteada?
Verdade que inspira lástima mirar-me!
O que sugerem estes sapatos católicos
Que envelheceram em vão.

Em matéria de olhos, a três metros
Não reconheço minha própria mãe.
O que me sucede? -Nada!
Os arruinei ministrando aulas:
A luz baça, o sol,
A venenosa lua miserável.
E tudo para que!
Para ganhar um pão imperdoável
Duro como a cara do burguês
Com cheiro e sabor de sangue.
Para que nascemos como homens
Se nos dão uma morte de animais!

Pelo excesso de trabalho, as vezes
Vejo formas estranhas flutuarem,
Ouço correrias loucas,
Risadas, conversações criminosas.
Observem estas mãos
As faces pálidas de cadáver, 
Os escassos cabelos que me restam.
Estas negras rugas infernais!
Sem embargo fui igual a vocês,
Jovem, pleno de belos ideais
Sonhei fundindo o cobre
E limando as faces do diamante.
Aqui me encontro hoje
Atrás dessa mesa desconfortável
Embrutecido pelo ritmo
Das quinhentas horas semanais.





A víbora.

Durante longos anos estive condenado a adorar uma mulher depreciável
Sacrificar-me por ela, sofrer humilhações e troças sem conta.
Trabalhar dia e noite para alimentá-la e vestir,
Levar a cabo alguns delitos, cometer algumas faltas,
À luz da lua realizar pequenos roubos,
Falsificações de documentos comprometedores,
Sob pena de cair em descrédito ante seus olhos fascinantes.
Em dias de mútua compreensão percorríamos os parques
E nos fotografávamos navegando uma lancha a motor,
Íamos a um bar com música ao vivo
Onde nos entregávamos a uma dança desenfreada
Que se prolongava até altas horas da madrugada.

Longos anos vivi prisioneiro dos encantos daquela mulher
Que costumava chegar ao meu escritório completamente nua
Executando as contorções mais difíceis de imaginar
Com o propósito de incorporar minha alma à sua órbita
E, sobretudo, para me extorquir até o último centavo
Proibia estritamente de me relacionar com minha família
Os amigos eram separados de mim mediante acusações difamadoras
Que a víbora publicava em um jornal de sua propriedade
Apaixonada até o delírio não me dava um instante de trégua,
Exigindo peremptoriamente que beijasse sua boca
E que respondesse prontamente a suas néscias perguntas
Várias delas referentes à eternidade e à vida futura
Temas que produziam em mim um lamentável estado de ânimo,
Zumbidos nos ouvidos, repetidas náuseas, desalentos prematuros
Que ela sabia aproveitar com o espírito prático que a caracterizava
Para se vestir rapidamente sem perda de tempo
E abandonar a sala me deixando com a cara no chão.

Esta situação se prolongou por mais de cinco anos.
Por um tempo vivemos juntos num quarto
Que dividíamos em um bairro de luxo perto do cemitério
(Algumas noites tivemos que interromper nossa lua de mel
para enfrentar as ratazanas que invadiam pela janela).
Levava a víbora um minucioso livro de contas
Onde anotava até o mínimo centavo que eu pedia emprestado;
Não me permitia usar a escova de dentes que eu mesmo a havia dado
E me acusava de ter arruinado sua juventude:
Lançando chamas pelos olhos me levava a comparecer perante o juiz
E pagar dentro do prazo estipulado parte da dívida
Pois ela necessitava do dinheiro para prosseguir seus estudos
Então tive que sair às ruas e viver da caridade alheia,
Dormir nos bancos das praças,
Onde fui encontrado moribundo muitas vezes pela polícia
Entre as primeiras folhas do outono.
Felizmente aquela situação não durou muito,
Porque certa vez em que me encontrava em uma praça também
Posando diante de uma câmera fotográfica
Umas deliciosas mãos femininas me vendaram súbito os olhos
Enquanto uma voz amorosa perguntava sabes quem é.
És tu meu amor, respondi com serenidade.
Anjo meu, disse ela nervosamente,
Permita que me sente em teus joelhos uma vez mais!
Então pude perceber que ela usava apenas uma pequena
                                               calcinha.
Foi um encontro memorável, ainda que pleno de notas dissonantes:
Me comprou um terreno, não distante do matadouro, exclamou,
Ali penso em construir uma espécie de pirâmide
Onde possamos passar os últimos anos de nossas vidas.
E já terminei meus estudos, me formei advogada,
Disponho de um bom capital;
Dediquemo-nos a um negócio produtivo, nós dois, meu amor, agregou,
Longe do mundo construamos nosso ninho.
Basta de sandices, repliquei, teus planos me inspiram desconfiança,
Lembra que de um momento a outro minha verdadeira mulher
Pode deixar-nos a todos na miséria mais espantosa.
Meus filhos já estão crescidos, o tempo transcorreu,
Me sinto profundamente esgotado, deixe-me repousar um instante,
Traga-me um pouco de água, mulher,
Consiga-me algo para comer, qualquer coisa,
Estou morto de fome,
Não posso trabalhar mais para ti,
Tudo está acabado entre nós.









A poesia permanecerá
antiga árvore
cujas raízes beberam
o dilúvio
águas que diluem
o sêmen dos deuses

O espírito do poeta
completa um século
imerso na arquitetura
de carne e ossos

A poesia permanece
frondosa árvore
cujas folhas traduzem
o que o vento ecoa
palavras próximas
ao ritmo puro

Ritmo puro:
ondas desfazendo-se
sobre as areias
de Isla Negra

O século é um ciclo
O círculo perfeito
não simboliza a poesia
Nicanor o atravessa
corpo lunar dividindo-se
entre luz e trevas
Que flua ininterrupto
com ritmo calmo
para apaziguar as formas
Flua com paciência
para polir as superfícies
Soe suave ao fluir
para sem temor
nos sentarmos 
às suas margens
e o olhar compreender
o movimento
                                                                 Para Viviana

A fotografia o fez observar luz e sombra
Os próprios passos o fizeram 
percorrer o claro e o escuro
Da poesia palavras atearam 
significados luminosos
e significados noturnos
A compreensão fora assim construída
pensa nomeá-la versos do recomeço
com impecável caligrafia escrevê-los
na brancura dos ossos
na porta da geladeira
para todos os dias reler
que há lirismo no preto e branco
ao retratar o cotidiano
mas precioso é buscar
de mãos dadas
apenas caminhos acesos