mesmo decapitado
o bibelô mantém
seu sorriso bobo

destoa dos
cacos afilados
espreitando o 
próximo passo
do assassino


desde o começo
fora colocado na
parede do quarto
acima da cabeceira

o anjo da guarda

corpo e asas de gesso
suavemente coloridas
em tons de azul e rosa

a queda foi ruidosa 
espalhou brancos 
fragmentos sobre 
a madeira escura 
do chão encerado

compôs uma constelação

a criança soube
que era má
estava abandonada
à própria sorte

mas o poema dirá
a toda criança que
acidentes acontecem
Estavas submerso em alguma memória? 

(olhos devolvem a interrogação)

Durante o interregno entre uma e outra palavra? Porque o hiato, o breve abismo é terreno fértil. Nele, entre o ato banal da personagem, Clarice ou Marcel mergulhar-nos-ia em páginas e páginas de introspecção. 

Usou uma mesóclise? 

Meu bem, adentrar literalmente o corpo não lhe revela a essência. E então, onde esteve durante teu silêncio? 

Sentindo a respiração arrefecer, tivesse um cigarro, contemplaria as espirais dissipando-se próximas ao teto. Encenaríamos a clássica cena: fumar após o amor. 

Que eufemismo brochante! Prefiro a palavra foder. Transmite energia à frase. Ateia cores quentes à língua.
Sapatos de salto alto secam esquecidos na janela. Incidia sol contra o quarto andar. A luz 
estilhaçava-se sobre falsos cristais. 
Agora, sob a sombra, o olhar apagado de pantera cativa. Sim, há Rilke na estante. As Cartas e Elegias em edições bilíngue. 
Dentro de casa pisa descalça. Solas leem a textura monótona das lajotas. A temperatura reptícia da cerâmica não mais arrefece a febre dos pés. 
Com a poesia compreende: precisa calçar outro chão.  
Tentativa de mensurar o momento:

Será tema de romances, as personagens viverão seus conflitos, imersas na imensa sombra.

Poemas erguerão imagens afiladas, texturas indóceis lidas pelo tato espantado. Sabores impalatáveis lamentarão à língua que a doçura habita um futuro incerto, pode o fruto antes apodrecer, secar.

Será escrita a fábula sobre os ponteiros que se recusam a medrar as horas, tão absurdas. Em vão homens olham os pulsos, buscam relojoeiros. As sutis engrenagens não compactuam com a brutalidade do tempo em que estão submersos.

Tentativa de mensurar o presente:

Na primeira manhã, todos os leitores de Kafka sentiram-se despertar como Gregor Samsa.


corolas eclodem
feito disparos

súbito assim entre 
a monocromia
compreendo: só
o poema importa

no poema permanece
intacto o instante
quando o flash
da rolleiflex
reescreve o corpo
em luz e sombra
contra a impermanência
que assombra cada
passo dos ponteiros

o poeta não possui
(rolleiflex leica polaroid)
outro instrumento
que as retinas
e a palavra retina
e a palavra nudez

porque as palavras retinem
porque mais próxima ao poema
está a câmera-vulva de Buñuel




Submerso no corpo
insiste o sonho
não silencioso
como as sementes
antes animal
energia pura

poema em que
as feras de Rilke
mantêm-se acesas

Não fora o sopro
mágico acaso
princípio do voo

Pousa os ouvidos
bem ao rés da pele
latente desejo
o ritmo evoca
palavras indóceis

As moscas tecem
noturno manto
tecido vivo
como a pele

Sombra sonora
ebulição
a coca-cola
ecoam da
imagem imã:
animal morto

desde Baudelaire
própria ao poema

Estilhaçar a compacta
escuridão é bem simples
A criança curiosa
consegue com um graveto

Grava nos olhos
impressões sobre
a morte tátil:

é reescrita das formas
é palatável aos vermes
é palatável ao tempo
não há vestígios da alma
fede mais sob o azul


Fui convidado pelo editor do blog Poesia, vim buscar-te para traduzir poemas da portuguesa Maria Azenha para o castelhano. Dia 31 de Março foi publicado o primeiro deles, eis o link: https://poesiavimbuscarte.wordpress.com/2016/03/31/%E2%96%91-i-2/


I.

Recuerdo la rosaleda del tiempo, las esmeraldas, sus memorias
el verde es el color de los árboles seculares impenetrables
oigo la noche cantar por los campos dentro de los cedros
la muerte enciende dos candeleros moviendo la pupila de los ojos

de un lado para el otro hay un agitar alto de crateres
la luna abre las sábanas de la luz a los labios de los volcanes de la noche
poemas que entrañanse en otros poemas dentro de la brisa
y se hunden las voces de los jardines de las corolas
luz inagotable mejilla del agua
angeles de la eternidad pedaleando para siempre
cantando en violines aéreos en el perfume de los lilas

me encuentro en posición de la llama que se desliga del cuerpo
soy una paisaje vertical y grande
atraviesada por un instrumento cirurgico

soy un enjambre de sonidos una mariposa ávida
que magneticamente atrae otras palabras al tacto y a la videncia
un renacimiento un recuerdo una vocación tremenda
puntos de agua y fuego alimentan la boca-ánfora de un niño
amor es tu nombre, un abstracto nombre.
en grandes bosques del silencio yo amo este niño
dentro de la aurora infantil de tus dedos
por las ramajes verdes el fresco fulgor de las galerías de sombras
el misterio la atravesa en una piedra encendida
de su boca brota el arbusto de un relámpago una flecha
en todo su lento y cientifico clamor
ho secretos labios de mi amada infancia
que revienta en magnolias encendiadas en flor

y cuando me inclino sobre los diques de los ponientes
el fuego me recoge en sus barcos de licor y miel
caigo brutalmente latiendo en una gruta abierta
perdidas entre las altas torres de las ciudades
y sus negras puertas

los objetos parecen voces en las puntas de los lápiz
fuera los semáforos están llenos de fórmulas
apagamos las manos mutilando los gestos
por la noche bajan rosas de nieve por los bosques

entonces corro locamente para dónde soy visible
mis gritos muestran raras joyas en las chimeneas de las casas
millares de hombres pasan incesantemente
es en las palabras que me deposito en cenizas

una raíz de la noche aprende a respirar. estoy despierta
veo con otros ojos las aves y la pupila de los astros
don que asciende del claro de los bosques










   Tive a satisfação de receber hoje o exemplar da obra Manual de literaturas de língua portuguesa: Portugal, Brasil, África Lusófona e Timor-Leste do Profº Dr. João Adalberto Campato Jr. 
   Uma vez mais agradeço a generosidade do Profº Campato pela atenção dada à minha poesia. O cuidado dedicado à produção literária contemporânea é um diferencial do seu olhar crítico. 
   Sinto-me recompensado por ser citado em uma obra tão significativa e abrangente. Compreendo como importante passo, principalmente por se tratar de um poeta que publica apenas no ambiente virtual.
   Publico, com a autorização do autor, a imagem das páginas 277 e 278 onde minha poesia é não somente citada, mas analisada e exemplificada com versos muito bem selecionados.