Não permitem a ela permanecer 
com os braços abertos
em forma de cruz

Deve-se cruzá-los à altura do ventre
ou estendê-los ao longo do corpo
Prevenindo assim que os poetas
teçam analogias com a crucificação

Não permitem ao olhar 
permanecer fixo no azul 
Órbitas vítreas simbolizam
com demasiada crueza o silêncio

É doloroso recordar a musa anônima
do poema Greenwich Village Suicide
de Gregory Corso

Uma superdose de antidepressivos
seria o suicídio mais óbvio
e o cadáver transpareceria serenidade
Um ininterrupto ruído paira sobre o público. Assemelha-se ao zumbido de insetos. Penso no som de microfonia. Os olhos da plateia buscam pelo auditório, voo estúpido no espaço vazio, alguma resposta. Enquanto o professor doutor expõem o laudo sobre as vísceras da poesia. 

Cabeças enfileiradas, que sobre vossos cabelos e calvície pouse o impiedoso pássaro da palavra desolação. Assole vosso espírito a árida lucidez com a qual compreenderão os extremos da difícil palavra: pétrea presença lança-nos ao vazio abissal.

Ombros amparam o pouso da palavra, ave de estimação não alça voo distante do meu corpo. Cabeças enfileiradas sede irmãs da áspera beleza, contemplem a violência da palavra desolação. Só então construam poemas com a carne e alma atormentada de outras palavras.
Espécie endêmica do éden:
Serpente que enreda-se
nos ramos da macieira
Silvo semelhante à voz humana
torna compreensível cada signo

Espécie endêmica 
do paraíso: a macieira 
esplêndida por seu viço
Diferencia-se das demais árvores
pelos frutos interditos ao consumo
de todo espécime animal

Obs: a espécie expulsa 
por inadaptação ao ambiente
subdivide-se em dois grupos
Os que buscam readaptar
o modus vivendi 
ao antigo habitat 
para reconquistá-lo
E os que desenvolveram
apuradas técnicas
e cultivam o fruto maldito
em terras distantes ao éden


Nicole Kidman interpretando Virgínia Woolf  em The Hours.

Sobre o grande gramado
crianças apiedam-se
de um pássaro morto

o tempo é outro 
regendo seu corpo

Árvores frondosas
respiramos tua sombra
esquecidos que houve
o fruto entre as folhas
cujas cores proferiam o podre
e a náusea nos impedia de colhê-lo

Ilegível aos olhos humanos
poderão os anjos lê-lo?
Difícil signo elegido
pela poesia como insígnia
de uma praça inscrita
no coração da cidade:

Dia ainda luminoso
quando enforcou-se
o andarilho encenando
um fruto suspenso

Para a ceia indigesta
reuniram-se os homens
O jornal local interpelou
testemunhas que viram
um estrangeiro esmolar
por ruas próximas
na desolação da tarde

Não há memórias
no olhar maciço
o busto de bronze
apenas ampara
o pouso dos pombos

Difícil signo elegido
pela poesia como insígnia
de uma praça inscrita
no coração da cidade:

A esperança em contemplar
crianças apiedarem-se
de um pássaro morto


Sobre a poça de chuva
um cachorro
detém os passos
e bebe

Brilham as ruas
ainda úmidas

Bela atmosfera
oriental
pacifica o poema
mas, a latente
inquietude
das palavras
precisa traduzir-se:

Poça de chuva
de rasa lâmina
refletido o céu
a reescreve
profundidade abissal
Onde cravam-se
as quatro patas do cão 
que sedento
sorve o abismo
Pensas a transparência
Vidro que envolve sem ocultar:
Sob a pele dos porta-retratos
a infância dos mortos comove

Pensas a pureza: signos 
que apaziguam o percurso

Mas, a assepsia soa estrangeira
aos que herdam a ancestral
desolação das palavras noturnas

Soa a doce e ininterrupta
voz que conduz os frutos
ao seu ápice noturno.

Assemelha-se ao sono
povoado pela difícil
sinfonia dos pesadelos.

Lâmina que transpassa a maçã,
assim entrega-se à travessia
o homem que compreende
para os dias de paz ou dúvida
o rumo inscrito no corpo:

rumor das palavras
interna luta sem trégua.