Mal arrefecera
a febre do espetáculo
mãos que aplaudiram
o circo nefasto
cedo compreenderam
o quão caro
tornou-se o pão






O hipopótamo
expôs suas hipóteses

O leopardo leu
muitas narrativas
de detetives
e pode investigar

O macaco matraqueava
até o leão rugir

A coruja aproveitou
a súbita quietude
e apaziguou:

por favor
menos mimimi!
porque não há crime

escrever: sangra o horizonte
é metáfora para o vermelho
tão aceso do belo poente






Imagem feita por Gustavo Petter.

entre as 
páginas
oitenta e 
oitenta e 
um um 
papel

dobrado ao meio
guarda em silêncio
o poema escrito
a lápis traços
esmaecidos o cinza
dissolvendo-se no
branco que obriga
a semicerrar os olhos
para ler os versos:

Poema para minha filha

Amanheceremos certo dia
meu crânio não 
emergirá das visões
Serás sempre 
minha menina
mas escolho não
ser pássaro desorbitado
Meu bem, no paraíso
não lerei meus
poetas preferidos

voz de um jovem pai
que lê durante o sono da casa
e se inquieta porque a poesia
não apazigua antes interroga
então escreve palavras
manifesto pela permanência
mas por algum motivo
silencia-as entre as páginas
de um livro qualquer para 
agora relê-las com outro
olhar talvez pronto 
para compreender
a lição dos grandes fotógrafos

a beleza de equilibrar
luz e sombra sobre as formas












investigação da 
súbita sensação
de desamparo:

para a máquina
pássaro engrenagem
já não range pulsa geme
soma-se ao silêncio

à forma da aero
nave em pane
olhos apagados
ao compreender
o pássaro que
não crê no voo

é preciso agora 
percorrer o corpo
da praça onde
a criança corre
contra o bando
de pombos e o
reescreve com
ritmo puro: revoo



senti-lo vivo
debatendo-se
contra 
o céu 
da boca

não o nome 
que limita define
circunscreve
a espécie
sim a ampla
palavra: pássaro

debatendo-se
contra o céu
da boca até 
reinventar
o voo
eco abjeto:
não dão ao cidadão...

assinale a opção rítmica:

(  ) pão
(  ) condição 
(  ) direito ao não
(  ) legitimidade para se insubordinar
(  ) todas as alternativas acima
enquanto espera
os pés partem
folhas secas
acima outras
prontas
para sê-las
as vermelhas
e amarelas
na iminência
da queda
                                para Viviana

cedo está desperto
para ler o céu salmão  
aceso um palmo acima
da afilada linha
de dentes insones

cedo está desperto
para vê-la amanhecer
olhos intactos 
somando luz
ao novo dia

e contar sobre 
a beleza do camaleão
dorso de cores quentes
apaziguando-se no azul